Uma contribuição da INTERSINDICAL – CE* aos bancários/as.
Qualquer reflexão sobre a nossa situação, como bancário (a), deve partir da nossa vida, daquilo que sentimos todos os dias como trabalhadores (as) bancários (as).
Um ambiente com péssimas condições de trabalho. Salário precário. Pressão por metas. Filas enormes de espera. Segmentação do trabalho e da clientela, por um padrão de mercado que exclui e desrespeita qualquer direito humano. Sobrecarga de trabalho. Casos de assédio moral. Comissionamentos questionáveis.
Tudo isso somado a uma política corporativa de aniquilamento das diferenças, mesmo quando as supõe ressaltar. De falta de democracia, quando diz defendê-la. De desrespeito com os trabalhadores e clientes, quando divulga através de um marketing de fachada slogans de responsabilidade social.
É esta política corporativa de responsabilidade social e compromisso com o funcionalismo, como divulgam os bancos, que divide, no caso dos públicos, funcionários novos de antigos, reduzindo direitos. E no caso dos privados, que demite aos que fazem greve ou mesmo procuram organizar-se em seu local de trabalho.
E a política salarial é aquela que cria ilusões, gera competições desleais, em busca de comissões que nunca abrangerão toda a categoria. E tudo isso, através de um processo obtuso, nada transparente. Sem falar da desqualificação daqueles (as) que são simplesmente escriturários (as), por meio do discurso institucional dos administradores (as).
Ora, não haverá sempre escriturários? Por que a valorização salarial só pode ser obtida através de comissionamentos?
Entre cada nível da estrutura, que representa a distância entre os de baixo e os de cima, um fosso.
O escriturário ou técnico bancário é aquele (a) que é cobrado cotidianamente para prestar o melhor atendimento ao público, auxiliar a gerência média, e lhe ser apontado dois caminhos: ou seguir a rotina institucional da ascenção profissional, que não chega a todos (as) ou permanecer como um eterno desprestigiado pela instituição.
O outro nível é o da gerência média, onde há um clima de cobrança permanente pelos administradores. E que, apesar de ser fortemente responsável pelos resultados negociais, recebe bem menos na partilha dos lucros do que seu superior, o “estimulador/cobrador”: o administrador.
E vai subindo, num ascendente, onde o caminho inverso é os de cima esmagando os de baixo.
Há um discurso institucional que afirma: O mercado é assim. A vida é assim. Todo mundo tem metas.
Claro, mas uma coisa é você cumprir metas para sua vida. Metas que você próprio mede, que você próprio se propõe, que você mesmo revisa. De acordo com valores e uma ética própria.
Outra coisa é cumprir metas para uma corporação que te explora, que te suga e que não te reconhece. E cuja ética é o lucro.
Afinal, a política de reconhecimento é a PLR mísera frente a dos níveis superiores?
Ou seria: uma viagem, um passeio, um brinde?
Como pode ser o piso salarial dos bancários inferior a R$ 1.000,00 (hum mil reais)? Ah... mas tem vale-refeição e alimentação!, o que fazem aumentar esta “fortuna”.
Todos os anos nos mobilizamos em torno de nossas reivindicações, fazendo greves e paralisações.
Porém, normalmente não sabemos como é definida a pauta. Não participamos dos processos de deliberação, com exceção das assembléias, em pleno período de greve.
É preciso fazer uma auto-crítica sobre o comportamento da nossa categoria, que reproduz o jogo da conduta social nesta sociedade apartada e apartadora, individualista e individualizante, do tempo capitalizado ou descapitalizado (time is money). O que não virou dinheiro? O que não virou mercadoria?
A vida do bancário é a vida no capital: stress, mercadoria, dinheiro...
É preciso subverter esta lógica que nos leva à adaptação, à aceitação.
E o mesmo discurso corporativo que nos chama a todos/as de família, de equipe, de colegas, é o que faz com que gerentes vão às assembléias desrespeitosamente tentar derrotar nossa greve, ora com o aval explícito da direção do sindicato, ora sem.
Portanto, há um desafio enorme diante de nós bancários/as: Enfrentar o capital financeiro, estando dentro dele, vendendo os produtos dele, e, às vezes, reproduzindo o discurso dele. É uma contradição muito forte.
Mas é a contradição de todo trabalhador (a), uma vez que fabrica um produto, que muitas vezes nem tem dinheiro para comprar: o pedreiro, que constrói, levanta grandes edifícios. O marceneiro que fabrica móveis luxuosíssimos, etc. Esta é a alienação do trabalho, onde o ser humano deixa de se reconhecer no seu trabalho, pois o que produz não é para si e nem recebe o justo preço pelo trabalho que desempenhou, pois é a partir desta exploração que é gerada a mais-valia, o lucro do burguês, do patrão.
Uma sociedade que é capaz de doar trilhões de dólares para salvar os bancos. Os bancos, não os nossos empregos. Não as vítimas de conflitos de guerra. Não as populações famintas do mundo. Não as vítimas de diversas moléstias boicotadas pelo mercado de medicamentos, pela indústria de patentes, pela indústria farmacêutica.
Esse texto é um vai-e-vem. É mais uma reflexão de totalidade, do local no global e o caminho inverso, um vai-e-vem, enfim.
Não dá para explicar o porquê dos bancos terem sido o setor no Brasil que mais lucrou, e os nossos salários e as condições de trabalho serem tão ruins, sem entender que estamos numa sociedade de mercado, na sociedade do capital, onde o ser humano não é mais o homo sapiens, nem mesmo o homo fabris, na verdade, o gênero homo está mesmo em extinção.
Levantamento da consultoria Economática mostra que o lucro líquido das instituições financeiras listadas na Bovespa foi de R$ 16,579 bilhões de janeiro a junho, crescimento de 13,1% sobre o mesmo período do ano passado. O lucro dos bancos representa 23,9% do ganho total das companhias que estão no mercado acionário.
Segundo o estudo da Economática, o setor de petróleo e gás, representado principalmente pela Petrobras, aparece com lucro de R$ 15,809 bilhões no primeiro semestre, ou seja, atrás do setor financeiro.
O lucro do Banco do Brasil somou R$ 3,99 bilhões no primeiro semestre de 2008, um aumento de 61,1% maior que os resultados atingidos no mesmo período de 2007.
É esta sociedade de mercado que também é capaz de cooptar setores do sindicalismo para sua política, deixando os trabalhadores (as) ainda mais reféns do capital. Muitos sindicatos, no último período, principalmente a partir da ascenção de um ex-operário à presidência, renderam-se ao discurso do status quo, do capital, junto com o governo que ajudaram a eleger.
E assumem o discurso da ditadura da impossibilidade, de que só era possível assim. De que não dá para ser diferente. E passam a fazer as vezes de porta-vozes do governo dentro do sindicalismo e, por tabela, porta-vozes do próprio capital.
O discurso da direção do sindicato sofreu uma transmutação: antigas bandeiras, como recuperação das perdas, foram para debaixo do tapete, trocando-se o vocabulário por aumento real. Quando, na realidade, o que há é um apagamento por parte dos bancos oficiais, hoje com ajuda dos sindicatos, das perdas anteriores, o que tem sido reforçado não só pelo discurso, mas por programas de afastamento incentivado para funcionários antigos, nivelando por baixo o salário da categoria, uma vez que a isonomia salarial, bem como de direitos não foi levada a sério pelas direções sindicais, comprometidas com um novo discurso institucional, e pela ocupação de cargos de confiança no aparelho de Estado, através dos governos que elegeram com nossa ajuda.
Portanto, não se trata de um problema meramente local, mas nacional, do ponto de vista de organização da nossa categoria e das representações sindicais por nós eleitas.
E internacional, se temos uma compreensão global e sistêmica do modo de estruturação da sociedade de mercado, em que vivemos.
Muitos desafios nós temos. Citaremos os seguintes:
- Criar um novo sindicalismo: Esta não é uma tarefa meramente nossa, dos bancários (as) do Ceará. Porém, temos nossa parcela de responsabilidade nisso. Um sindicalismo ousado. Cuja política não se apequena nas siglas partidárias. Transpõe-nas. Defende o pluralismo de idéias, de correntes de pensamento. A livre expressão e o debate franco e honesto.
Um sindicalismo capaz de apaixonar, de criar novos sujeitos históricos, forjados na luta social e política. De despertar corações e mentes. De abrir horizontes. De romper barreiras. De destelhar os tetos carcomidos da burocracia sindical. Derrubar os muros da ignorância política, a partir de uma prática lúcida, embasada na práxis da luta.
Um sindicalismo que estude e que aprenda com o “velho e o novo”, com os erros e os acertos do outrora e do porvir.
Não queremos mais do mesmo. Queremos mesmo é mais! Autonomia sindical. Diante dos patrões, dos governos e dos partidos. Independência de classe, para defender os legítimos interesses dos trabalhadores (as), desempregados (as) ou não. E de todos/as explorados pelo sistema capitalista.
Um sindicalismo que seja capaz de atrair mais pessoas ao debate e à participação nas lutas, e garantir voz a todos/as que fazem parte de sua base. Um sindicalismo de base.
Um sindicalismo radical, que se contraponha à burocracia sindical, à acomodação de interesses, à capitulação à ordem, ao peleguismo, à traição de classe.
E que igualmente se contraponha ao sectarismo, à mesquinhez partidária, ao oportunismo sindical e ao discurso divisionista.
Pois defendemos a unidade. Mas nem é a unidade em torno de um único tipo de pensamento, sectária. Nem a unidade com o discurso dos patrões ou do governo de plantão, pelega.
A nossa unidade é aquela que seja capaz de defender sem titubear os interesses da classe trabalhadora.
Pois sem vacilar, os banqueiros e todos os seus aliados sabem defender seus interesses, inclusive gerando miséria e desemprego, como fica mais nítido agora com a crise atual do capitalismo.
- Estabelecer uma estratégia de comunicação capaz de romper as barreiras do individualismo, e do discurso institucional que apaga as tensões e conflitos em torno de lemas como o da “grande família”. Para isso precisamos de formas muito atraentes. De um discurso que seja capaz de dialogar com as contradições deste “ser bancário”.
- Construir uma rede anti-capitalista, que se contraponha a sanha predatória inerente ao capital, e capaz de exercer a mais profunda solidariedade humana a todos/as que são oprimidos (as) por este sistema. O que só pode ser feito com a aliança com o conjunto de movimentos sociais, e todo conjunto de sujeitos históricos que estão determinados a transformar este mundo numa sociedade de homens e mulheres livres, uma sociedade igualitária e plural. Com respeito às diferenças culturais, política, religiosas, étnicas, de gênero, etc.
UM EXEMPLO DE COMO ENFRENTAR O DISCURSO PELEGO DO SINDICALISMO BUROCRÁTICO
As oposições, conseguiram na última campanha salarial dar exemplo de como enfrentar o discurso pelego do sindicalismo burocrático.
Com algumas exceções, conseguimos fugir da armadilha política criada pela direção do sindicato em tentar isolar nossas posições, a partir de uma pauta, cujo debate não apresenta reflexão mais crítica pelo conjunto da sociedade brasileira, o que ocorre também em nossa categoria: a pauta do governo Lula, criando um divisionismo entre quem é a favor e quem é contra.
Um debate que para a maioria das pessoas se mostra como um debate meramente partidário institucional, principalmente quando não fundamentado.
Ora, as críticas que nós da INTERSINDICAL temos ao governo Lula, e a compreensão sobre o processo de burocratização de considerável parte dos partidos, movimentos e sindicatos em nosso país, têm profundo embasamento na realidade concreta e coadunam com a defesa dos interesses da classe trabalhadora.
Porém, o jogo cotidiano da adaptação e a difusão da desinformação em massa, através dos diversos mecanismos de reprodução da sociedade capitalista, aliados à ausência do papel educativo/pedagógico e classista que deveriam ter os sindicatos e os partidos de esquerda em geral, forjam uma compreensão obtusa da realidade, ou mesmo uma acomodação à ditadura da impossibilidade, enxergando mais as pequenas migalhas, que os grandes desastres e mesmo desumanidade que ou aceitamos com uma cumplicidade aterradora ou que simplesmente ignoramos.
Logo, só um trabalho cotidiano de base, com formação e informação, é que isso pode ser melhorado.
Por isso, numa assembléia, o melhor canal de diálogo, para uma categoria, sem acesso ao debate/formação político, como é o caso da imensa massa de trabalhadores e da quase totalidade da humanidade em nosso planeta, é aquele capaz de tocar nas angústias mais imediatas, fazendo revelar através delas, as contradições do próprio governo que julgam ser bom, e do sistema ao qual estão acomodadas a reproduzir o discurso.
Além disso, apropriamo-nos do discurso da unidade. Antes éramos tidos como divisionistas. Pois, criticávamos e combatíamos a direção do sindicato, a qual deveríamos enxergar como aliada, já que, ao menos aparentemente, e ao menos circunstancialmente, naquele momento, faziam um discurso, ainda que obtuso, contra os patrões.
Ora, a categoria aderiu a essa lógica do discurso da unidade. Claro, porque conhece e aprova o adágio popular: “A unidade (união) faz a força”. O problema é que a unidade é um valor universal, e como tal, promove o apagamento das diferenças.
Mas é isso mesmo. A categoria naquele momento enxerga como único adversário: o patrão.
E só perceberá que a direção do sindicato está contra a categoria, quando puder ficar claro para ela que eles estão do lado dos patrões.
E isso não se faz meramente através de discursos em assembléias.
Isso se faz através da prática cotidiana da luta, da experiência e experimentação da base.
Mas tão importante quanto a categoria perder as ilusões com a atual direção política, é ela (a base) compreender e legitimar uma nova direção e uma nova política.
Para isso precisamos, ganhar a confiança política da base, o que só alcançaremos se estivermos dispostos à humildade. Se formos capazes de abdicar de parte de nossa “grande inteligência” e dedicarmos um tempo para ouvir, para escutá-la. Não precisamos negar nossas convicções, porém não podemos impor aos demais, mas conquistar, conversar e não palestrar, dialogar, para que quando falemos sejamos ouvidos. E para isso é preciso saber o que outro quer discutir. Não só o que uma parte quer discutir.
E foi isso que fizemos. O importante para a base naquele momento da assembléia era a conquista sobre a pauta apresentada, vitórias sobre as demandas. Para nós, também.
Já para a direção do sindicato, não. E nós sabemos disso. Para a direção do sindicato, o importante era fingir que lutava e conseguir qualquer coisa que fosse capaz de nos tirar da greve. Esse papel eles sabem que precisam cumprir bem, se não perdem o controle que têm sobre a base. Precisam disso para se legitimar como representantes da base.
Logo, quem estivesse contra eles, estaria pondo acima do interesse coletivo, as mesquinharias partidárias.
O que fizemos, pois, foi uma estratégia mais inteligente dessa vez.
Ao invés da tática de apontar o dedo diretamente contra a direção do sindicato, foi a de defender aquilo que a direção queria ocultar e que mais importava a categoria: as condições de trabalho, o pagamento de substituições no Banco do Brasil, a (re)definição dos PCS/R, PCCs, o PISO salarial.
E com isso ganhamos o debate político de tal maneira que o Sindicato dos Bancários do Ceará foi o único, no caso do Banco do Brasil, a manter a greve por mais um dia. E com o voto acuado da direção do sindicato, que veio conversar conosco sobre que posição adotar, uma vez que tinham medo de perder capital político, diante de uma assembléia que nos ouviu a nós e a eles (por nossa influência) defender a pauta que a princípio esconderiam.
Pela primeira vez, a direção do sindicato, através dos diretores que representam o BB no sindicato, veio perguntar a nós o que fazer. Logo nós, os radicais.
Com isso, ganhamos o debate político, nos credenciamos como referência na categoria, somos capazes de ser ouvido, acuamos a direção do sindicato, e principalmente garantimos a legítima defesa dos interesses de nossa categoria.
Um limite, porém, em tudo isso, é a falta de uma alternativa nacional que se contraponha ao hegemonismo político da Articulação Sindical, corrente majoritária no sindicalismo nacional, e maior representante da paralisia e burocratização em que se enfiou o sindicalismo.
Uma alternativa radicalmente diferente e que se coloque nos marcos do que definimos nesse documento inicial de contribuição para este Seminário.
* INTERSINDICAL – grupamento nacional de sindicalistas que debatem, e organizam-se na defesa autônoma dos interesses da classe trabalhadora, entre outros princípios, de caráter anti-capitalista.
Qualquer reflexão sobre a nossa situação, como bancário (a), deve partir da nossa vida, daquilo que sentimos todos os dias como trabalhadores (as) bancários (as).
Um ambiente com péssimas condições de trabalho. Salário precário. Pressão por metas. Filas enormes de espera. Segmentação do trabalho e da clientela, por um padrão de mercado que exclui e desrespeita qualquer direito humano. Sobrecarga de trabalho. Casos de assédio moral. Comissionamentos questionáveis.
Tudo isso somado a uma política corporativa de aniquilamento das diferenças, mesmo quando as supõe ressaltar. De falta de democracia, quando diz defendê-la. De desrespeito com os trabalhadores e clientes, quando divulga através de um marketing de fachada slogans de responsabilidade social.
É esta política corporativa de responsabilidade social e compromisso com o funcionalismo, como divulgam os bancos, que divide, no caso dos públicos, funcionários novos de antigos, reduzindo direitos. E no caso dos privados, que demite aos que fazem greve ou mesmo procuram organizar-se em seu local de trabalho.
E a política salarial é aquela que cria ilusões, gera competições desleais, em busca de comissões que nunca abrangerão toda a categoria. E tudo isso, através de um processo obtuso, nada transparente. Sem falar da desqualificação daqueles (as) que são simplesmente escriturários (as), por meio do discurso institucional dos administradores (as).
Ora, não haverá sempre escriturários? Por que a valorização salarial só pode ser obtida através de comissionamentos?
Entre cada nível da estrutura, que representa a distância entre os de baixo e os de cima, um fosso.
O escriturário ou técnico bancário é aquele (a) que é cobrado cotidianamente para prestar o melhor atendimento ao público, auxiliar a gerência média, e lhe ser apontado dois caminhos: ou seguir a rotina institucional da ascenção profissional, que não chega a todos (as) ou permanecer como um eterno desprestigiado pela instituição.
O outro nível é o da gerência média, onde há um clima de cobrança permanente pelos administradores. E que, apesar de ser fortemente responsável pelos resultados negociais, recebe bem menos na partilha dos lucros do que seu superior, o “estimulador/cobrador”: o administrador.
E vai subindo, num ascendente, onde o caminho inverso é os de cima esmagando os de baixo.
Há um discurso institucional que afirma: O mercado é assim. A vida é assim. Todo mundo tem metas.
Claro, mas uma coisa é você cumprir metas para sua vida. Metas que você próprio mede, que você próprio se propõe, que você mesmo revisa. De acordo com valores e uma ética própria.
Outra coisa é cumprir metas para uma corporação que te explora, que te suga e que não te reconhece. E cuja ética é o lucro.
Afinal, a política de reconhecimento é a PLR mísera frente a dos níveis superiores?
Ou seria: uma viagem, um passeio, um brinde?
Como pode ser o piso salarial dos bancários inferior a R$ 1.000,00 (hum mil reais)? Ah... mas tem vale-refeição e alimentação!, o que fazem aumentar esta “fortuna”.
Todos os anos nos mobilizamos em torno de nossas reivindicações, fazendo greves e paralisações.
Porém, normalmente não sabemos como é definida a pauta. Não participamos dos processos de deliberação, com exceção das assembléias, em pleno período de greve.
É preciso fazer uma auto-crítica sobre o comportamento da nossa categoria, que reproduz o jogo da conduta social nesta sociedade apartada e apartadora, individualista e individualizante, do tempo capitalizado ou descapitalizado (time is money). O que não virou dinheiro? O que não virou mercadoria?
A vida do bancário é a vida no capital: stress, mercadoria, dinheiro...
É preciso subverter esta lógica que nos leva à adaptação, à aceitação.
E o mesmo discurso corporativo que nos chama a todos/as de família, de equipe, de colegas, é o que faz com que gerentes vão às assembléias desrespeitosamente tentar derrotar nossa greve, ora com o aval explícito da direção do sindicato, ora sem.
Portanto, há um desafio enorme diante de nós bancários/as: Enfrentar o capital financeiro, estando dentro dele, vendendo os produtos dele, e, às vezes, reproduzindo o discurso dele. É uma contradição muito forte.
Mas é a contradição de todo trabalhador (a), uma vez que fabrica um produto, que muitas vezes nem tem dinheiro para comprar: o pedreiro, que constrói, levanta grandes edifícios. O marceneiro que fabrica móveis luxuosíssimos, etc. Esta é a alienação do trabalho, onde o ser humano deixa de se reconhecer no seu trabalho, pois o que produz não é para si e nem recebe o justo preço pelo trabalho que desempenhou, pois é a partir desta exploração que é gerada a mais-valia, o lucro do burguês, do patrão.
Uma sociedade que é capaz de doar trilhões de dólares para salvar os bancos. Os bancos, não os nossos empregos. Não as vítimas de conflitos de guerra. Não as populações famintas do mundo. Não as vítimas de diversas moléstias boicotadas pelo mercado de medicamentos, pela indústria de patentes, pela indústria farmacêutica.
Esse texto é um vai-e-vem. É mais uma reflexão de totalidade, do local no global e o caminho inverso, um vai-e-vem, enfim.
Não dá para explicar o porquê dos bancos terem sido o setor no Brasil que mais lucrou, e os nossos salários e as condições de trabalho serem tão ruins, sem entender que estamos numa sociedade de mercado, na sociedade do capital, onde o ser humano não é mais o homo sapiens, nem mesmo o homo fabris, na verdade, o gênero homo está mesmo em extinção.
Levantamento da consultoria Economática mostra que o lucro líquido das instituições financeiras listadas na Bovespa foi de R$ 16,579 bilhões de janeiro a junho, crescimento de 13,1% sobre o mesmo período do ano passado. O lucro dos bancos representa 23,9% do ganho total das companhias que estão no mercado acionário.
Segundo o estudo da Economática, o setor de petróleo e gás, representado principalmente pela Petrobras, aparece com lucro de R$ 15,809 bilhões no primeiro semestre, ou seja, atrás do setor financeiro.
O lucro do Banco do Brasil somou R$ 3,99 bilhões no primeiro semestre de 2008, um aumento de 61,1% maior que os resultados atingidos no mesmo período de 2007.
É esta sociedade de mercado que também é capaz de cooptar setores do sindicalismo para sua política, deixando os trabalhadores (as) ainda mais reféns do capital. Muitos sindicatos, no último período, principalmente a partir da ascenção de um ex-operário à presidência, renderam-se ao discurso do status quo, do capital, junto com o governo que ajudaram a eleger.
E assumem o discurso da ditadura da impossibilidade, de que só era possível assim. De que não dá para ser diferente. E passam a fazer as vezes de porta-vozes do governo dentro do sindicalismo e, por tabela, porta-vozes do próprio capital.
O discurso da direção do sindicato sofreu uma transmutação: antigas bandeiras, como recuperação das perdas, foram para debaixo do tapete, trocando-se o vocabulário por aumento real. Quando, na realidade, o que há é um apagamento por parte dos bancos oficiais, hoje com ajuda dos sindicatos, das perdas anteriores, o que tem sido reforçado não só pelo discurso, mas por programas de afastamento incentivado para funcionários antigos, nivelando por baixo o salário da categoria, uma vez que a isonomia salarial, bem como de direitos não foi levada a sério pelas direções sindicais, comprometidas com um novo discurso institucional, e pela ocupação de cargos de confiança no aparelho de Estado, através dos governos que elegeram com nossa ajuda.
Portanto, não se trata de um problema meramente local, mas nacional, do ponto de vista de organização da nossa categoria e das representações sindicais por nós eleitas.
E internacional, se temos uma compreensão global e sistêmica do modo de estruturação da sociedade de mercado, em que vivemos.
Muitos desafios nós temos. Citaremos os seguintes:
- Criar um novo sindicalismo: Esta não é uma tarefa meramente nossa, dos bancários (as) do Ceará. Porém, temos nossa parcela de responsabilidade nisso. Um sindicalismo ousado. Cuja política não se apequena nas siglas partidárias. Transpõe-nas. Defende o pluralismo de idéias, de correntes de pensamento. A livre expressão e o debate franco e honesto.
Um sindicalismo capaz de apaixonar, de criar novos sujeitos históricos, forjados na luta social e política. De despertar corações e mentes. De abrir horizontes. De romper barreiras. De destelhar os tetos carcomidos da burocracia sindical. Derrubar os muros da ignorância política, a partir de uma prática lúcida, embasada na práxis da luta.
Um sindicalismo que estude e que aprenda com o “velho e o novo”, com os erros e os acertos do outrora e do porvir.
Não queremos mais do mesmo. Queremos mesmo é mais! Autonomia sindical. Diante dos patrões, dos governos e dos partidos. Independência de classe, para defender os legítimos interesses dos trabalhadores (as), desempregados (as) ou não. E de todos/as explorados pelo sistema capitalista.
Um sindicalismo que seja capaz de atrair mais pessoas ao debate e à participação nas lutas, e garantir voz a todos/as que fazem parte de sua base. Um sindicalismo de base.
Um sindicalismo radical, que se contraponha à burocracia sindical, à acomodação de interesses, à capitulação à ordem, ao peleguismo, à traição de classe.
E que igualmente se contraponha ao sectarismo, à mesquinhez partidária, ao oportunismo sindical e ao discurso divisionista.
Pois defendemos a unidade. Mas nem é a unidade em torno de um único tipo de pensamento, sectária. Nem a unidade com o discurso dos patrões ou do governo de plantão, pelega.
A nossa unidade é aquela que seja capaz de defender sem titubear os interesses da classe trabalhadora.
Pois sem vacilar, os banqueiros e todos os seus aliados sabem defender seus interesses, inclusive gerando miséria e desemprego, como fica mais nítido agora com a crise atual do capitalismo.
- Estabelecer uma estratégia de comunicação capaz de romper as barreiras do individualismo, e do discurso institucional que apaga as tensões e conflitos em torno de lemas como o da “grande família”. Para isso precisamos de formas muito atraentes. De um discurso que seja capaz de dialogar com as contradições deste “ser bancário”.
- Construir uma rede anti-capitalista, que se contraponha a sanha predatória inerente ao capital, e capaz de exercer a mais profunda solidariedade humana a todos/as que são oprimidos (as) por este sistema. O que só pode ser feito com a aliança com o conjunto de movimentos sociais, e todo conjunto de sujeitos históricos que estão determinados a transformar este mundo numa sociedade de homens e mulheres livres, uma sociedade igualitária e plural. Com respeito às diferenças culturais, política, religiosas, étnicas, de gênero, etc.
UM EXEMPLO DE COMO ENFRENTAR O DISCURSO PELEGO DO SINDICALISMO BUROCRÁTICO
As oposições, conseguiram na última campanha salarial dar exemplo de como enfrentar o discurso pelego do sindicalismo burocrático.
Com algumas exceções, conseguimos fugir da armadilha política criada pela direção do sindicato em tentar isolar nossas posições, a partir de uma pauta, cujo debate não apresenta reflexão mais crítica pelo conjunto da sociedade brasileira, o que ocorre também em nossa categoria: a pauta do governo Lula, criando um divisionismo entre quem é a favor e quem é contra.
Um debate que para a maioria das pessoas se mostra como um debate meramente partidário institucional, principalmente quando não fundamentado.
Ora, as críticas que nós da INTERSINDICAL temos ao governo Lula, e a compreensão sobre o processo de burocratização de considerável parte dos partidos, movimentos e sindicatos em nosso país, têm profundo embasamento na realidade concreta e coadunam com a defesa dos interesses da classe trabalhadora.
Porém, o jogo cotidiano da adaptação e a difusão da desinformação em massa, através dos diversos mecanismos de reprodução da sociedade capitalista, aliados à ausência do papel educativo/pedagógico e classista que deveriam ter os sindicatos e os partidos de esquerda em geral, forjam uma compreensão obtusa da realidade, ou mesmo uma acomodação à ditadura da impossibilidade, enxergando mais as pequenas migalhas, que os grandes desastres e mesmo desumanidade que ou aceitamos com uma cumplicidade aterradora ou que simplesmente ignoramos.
Logo, só um trabalho cotidiano de base, com formação e informação, é que isso pode ser melhorado.
Por isso, numa assembléia, o melhor canal de diálogo, para uma categoria, sem acesso ao debate/formação político, como é o caso da imensa massa de trabalhadores e da quase totalidade da humanidade em nosso planeta, é aquele capaz de tocar nas angústias mais imediatas, fazendo revelar através delas, as contradições do próprio governo que julgam ser bom, e do sistema ao qual estão acomodadas a reproduzir o discurso.
Além disso, apropriamo-nos do discurso da unidade. Antes éramos tidos como divisionistas. Pois, criticávamos e combatíamos a direção do sindicato, a qual deveríamos enxergar como aliada, já que, ao menos aparentemente, e ao menos circunstancialmente, naquele momento, faziam um discurso, ainda que obtuso, contra os patrões.
Ora, a categoria aderiu a essa lógica do discurso da unidade. Claro, porque conhece e aprova o adágio popular: “A unidade (união) faz a força”. O problema é que a unidade é um valor universal, e como tal, promove o apagamento das diferenças.
Mas é isso mesmo. A categoria naquele momento enxerga como único adversário: o patrão.
E só perceberá que a direção do sindicato está contra a categoria, quando puder ficar claro para ela que eles estão do lado dos patrões.
E isso não se faz meramente através de discursos em assembléias.
Isso se faz através da prática cotidiana da luta, da experiência e experimentação da base.
Mas tão importante quanto a categoria perder as ilusões com a atual direção política, é ela (a base) compreender e legitimar uma nova direção e uma nova política.
Para isso precisamos, ganhar a confiança política da base, o que só alcançaremos se estivermos dispostos à humildade. Se formos capazes de abdicar de parte de nossa “grande inteligência” e dedicarmos um tempo para ouvir, para escutá-la. Não precisamos negar nossas convicções, porém não podemos impor aos demais, mas conquistar, conversar e não palestrar, dialogar, para que quando falemos sejamos ouvidos. E para isso é preciso saber o que outro quer discutir. Não só o que uma parte quer discutir.
E foi isso que fizemos. O importante para a base naquele momento da assembléia era a conquista sobre a pauta apresentada, vitórias sobre as demandas. Para nós, também.
Já para a direção do sindicato, não. E nós sabemos disso. Para a direção do sindicato, o importante era fingir que lutava e conseguir qualquer coisa que fosse capaz de nos tirar da greve. Esse papel eles sabem que precisam cumprir bem, se não perdem o controle que têm sobre a base. Precisam disso para se legitimar como representantes da base.
Logo, quem estivesse contra eles, estaria pondo acima do interesse coletivo, as mesquinharias partidárias.
O que fizemos, pois, foi uma estratégia mais inteligente dessa vez.
Ao invés da tática de apontar o dedo diretamente contra a direção do sindicato, foi a de defender aquilo que a direção queria ocultar e que mais importava a categoria: as condições de trabalho, o pagamento de substituições no Banco do Brasil, a (re)definição dos PCS/R, PCCs, o PISO salarial.
E com isso ganhamos o debate político de tal maneira que o Sindicato dos Bancários do Ceará foi o único, no caso do Banco do Brasil, a manter a greve por mais um dia. E com o voto acuado da direção do sindicato, que veio conversar conosco sobre que posição adotar, uma vez que tinham medo de perder capital político, diante de uma assembléia que nos ouviu a nós e a eles (por nossa influência) defender a pauta que a princípio esconderiam.
Pela primeira vez, a direção do sindicato, através dos diretores que representam o BB no sindicato, veio perguntar a nós o que fazer. Logo nós, os radicais.
Com isso, ganhamos o debate político, nos credenciamos como referência na categoria, somos capazes de ser ouvido, acuamos a direção do sindicato, e principalmente garantimos a legítima defesa dos interesses de nossa categoria.
Um limite, porém, em tudo isso, é a falta de uma alternativa nacional que se contraponha ao hegemonismo político da Articulação Sindical, corrente majoritária no sindicalismo nacional, e maior representante da paralisia e burocratização em que se enfiou o sindicalismo.
Uma alternativa radicalmente diferente e que se coloque nos marcos do que definimos nesse documento inicial de contribuição para este Seminário.
* INTERSINDICAL – grupamento nacional de sindicalistas que debatem, e organizam-se na defesa autônoma dos interesses da classe trabalhadora, entre outros princípios, de caráter anti-capitalista.
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